O que você sustenta quando se alimenta? Teoria ator-rede e o design das redes agroalimentares
Essa é uma tese sobre as redes organizadas para que tenhamos comida: as redes agroalimentares, que são aqui compreendidas de uma forma mais ampla do que as tradicionais cadeias de produção de alimentos, podendo incluir toda sorte de elementos, entre humanos e não humanos. Investigaremos um prato de comida na rede que lhe permite existir. As redes agroalimentares são aqui entendidas como algo projetado, e a ação de projetar não é atribuída a um sujeito projetista. Na rede, o projeto é diluído por tudo e todos que nela agem. O objetivo da investigação é traçar as conexões necessárias, entre os mais variados atores, para que a nossa alimentação esteja diariamente disponível em nossos pratos. Quando explicamos a rede que dá existência à nossa alimentação, somos também capazes de entender e explicar a inexistência e a indisponibilidade de comida para muitas pessoas. Utilizando como abordagem teórico metodológica a teoria ator-rede e a cartografia de controvérsias, inicia-se o traçado comparativo de duas redes, a partir de dois pratos de comida servidos nos dois lados da Rua da Lapa, no Rio de Janeiro. Em um lado, há o Refettorio Gastromotiva, ligado ao Social Gastronomy Movement, que oferece cursos de empreendedorismo social e gastronômico e prepara refeições com ingredientes não comercializáveis doados por comerciantes de alimentos, servindo tais refeições a pessoas que não têm o que comer. No outro lado, há o espaço de comercialização Terra Crioula, ligado ao Movimento Sem Terra, e que escoa a produção de assentamentos da reforma agrária do estado do RJ na forma de cestas e refeições elaboradas por um projeto de extensão universitária. A principal referência sobre a teoria ator-rede aqui utilizada é Bruno Latour. Como resultado, temos textos descritivos das duas redes, obtidos através de relatos feitos sobre visitas a campo nos dois casos. A partir dos textos, foi possível traçar algumas representações visuais das redes de elementos heterogêneos conectadas em função da questão agroalimentar nos dois casos recortados. Através de uma noção ampliada de projeto, é possível compreender que a conformação da rede se dá pela conjunção de coisas, pessoas, ideias associadas às custas de estabilizações para que, em uma certa realidade compartilhada, possamos contar com comida em nossos pratos diariamente. E, assim como a comida diária é um projeto, o desperdício, a escassez, a fome e a desnutrição também o são. O que se ganha com a ampliação da ideia de projeto quando imaginamos a dissolução do sujeito projetista em uma rede de conexões cambiáveis é a possibilidade de criarmos e construirmos ordenamentos concretos da realidade na qual existimos em grupo, além de podermos escolher nos juntar ou não a uma certa conformação de rede.
This is a thesis about the networks that are organized so that we have food: the agri-food networks, which are understood here in a broader sense than the traditional food production chains, and may include all sorts of elements, human and non-human. We will investigate a plate of food within the network that allows it to exist. Agri-food networks are understood here as something designed, and the action of designing is not attributed to a designer subject. In the network, the project is diluted by everything and everyone who acts on it. The aim of this investigation is to trace the connections that have to be made among various actors so that our food is on our plates everyday. Through explaining the network that gives existence to our food, we are also able to understand and explain the inexistence and unavailability of food for many people. Using actor-network theory and the cartography of controversies as a theoretical-methodological approach, the comparative tracing of two networks begins, from two plates of food served each side of Rua da Lapa, in Rio de Janeiro. On one side, there is Refettorio Gastromotiva, linked to the Social Gastronomy Movement, which offers courses in social and gastronomic entrepreneurship and prepares meals with unmarketable ingredients donated by food sellers, and serves these meals to people who have nothing to eat. On the other side, there is the Terra Crioula commercial space, linked to the Landless Workers’ Movement, which sells the production of agrarian reform settlements in the state of RJ in the form of baskets and meals prepared by a university extension project. The main reference on actor-network theory used here is Bruno Latour. As a result, we have descriptive texts of the two networks, obtained, in both cases, through field visit reports. From these texts, it was possible to trace visual representations of the networks made of heterogeneous elements, connected around the agri-food issue. Through the expansion of the notion of project, it is possible to understand that the network’s conformation happens through the conjunction of things, people, ideas associated in processes of stabilization so that, in a certain shared reality, we can rely on food being on our plates daily. And just as everyday food is a project, so is waste, scarcity, malnutrition and starvation. What is gained with the expansion of the idea of project, when we imagine the dissolution of the designer subject in a network of changeable connections, is the possibility of creating and building concrete orders of the reality in which we exist as a group, in addition to being able to choose whether or not to join a certain network conformation.